Mário da Assunção

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31.01.2012

 

Senhor Casimiro, o preto caçador de fama!

Na estrada da Aricanga, para lá das últimas casas conhecidas no fundo da mesma, como a casa do senhor Joaquim Cunha, alguns quilómetros depois, escondido nos intermináveis cafezais ficava mais um bairro, a Cerâmica. Era aí, onde se encontrava o senhor Casimiro, um negro que gozava da fama de ser um exímio caçador. Para além das inumeráveis pacaças, onças e leões mortos nas suas caçadas, este tinha adicionado a particular proeza de criar um pequeno elefante, que estranhamente conseguira subtrair à mãe-elefante e que tinha sido enviada depois para a Metrópole – que era Portugal, denominada assim nessa época - como uma especial oferta dum caçador preto, da Província de Angola.

Embora não me lembre muito bem, constava-se que na sua mestria, figuravam circunstâncias algo misteriosas!

No entanto o prestigío do senhor Casimiro, tinha servido para acabar com o apartheid, que ainda nos finais dos anos 60 se vivia na Gabela, denotado sobretudo em certos meios sociais:

Num dos habituais bailes que eram de voga, realizado nos salões do ARA da Gabela, as , jovens filhas do senhor Casimiro, foram impedidas de entrar na festa, apenas pela simples razão de serem negras. Ora isso acabou, como era de esperar, de criar um embaraço nada simples, para as autoridades da terra. Não podiam as filhas de um grande caçador do concelho, mesmo sendo negras, não entrar nos salões de festas do ARA!

Houve desculpas, embaraços misturados com alguma vergonha, que finalizou não só com o veto de entrar num baile, às filhas negras do grande caçador, mas ainda a muitas outras filhas e filhos negros, que apenas podiam contentar-se com as festas nos confins dos subúrbios escuros da Gabela!

 

27.01.2012

A kaputa

A bem dizer, a Kaputa, mais parecia um pequenino enclave. Um bairrito, dentro dum bairro, que no entanto era mais preenchido por extensões de cafeeiros. Mas ela tinha a sua importância, porque servia de “via-rápida”, para as muitas pessoas, que vinham a pé, da Aldeia, da Aricanga, e dum bairro para lá ainda, (onde morava muita gente, como o senhor Raúl sapateiro e o senhor Casimiro), e vice-versa. A Kaputa tinha uma localização igualmente curiosa: ficava numa espécie de planalto, que em relação à estrada principal fazia um precipício. Ela começava (do lado da cidade) ao lado do Tribunal, um edifício que tinha sido recentemente construído; tinha uma inclinação bastante acentuada e ao que me lembro, só as pessoas subiam ou desciam por ali; Terminava (no lado oposto), já na zona que fazia parte da Aricanga, com uma estradinha, que desembocava na estrada poeirenta! Nesse lado já os carros circulavam.

Era em cima do precipício, numa parte que servia de arquibancada, onde eu ficava muitas vezes sentado quando eu ia passear à Kaputa, a ver o Nando, filho do senhor Armando Manuel (que morava ali, quando cheguei à Gabela) a conversar com as irmãs do Saraiva, que enquanto observávamos a paisagem da fila de casas ao lado da estrada, que passava em baixo, aproveitava para me contar de algumas respeitáveis senhoras que ali moravam, que tinham encontros malandros com indivíduos, que não eram os maridos.

Foi na kaputa, onde eu numa tarde de visita aos amigos daquele sítio, fui mordido por um cão, que parece ter-se enervado, de ver-me passar a correr muitas vezes, enquanto brincava animado. Esta ocorrência, deixou-me profundamente atrapalhado, porque nunca tivera sido mordido antes, a não ser por algumas crianças que estranhamente testavam os dentes novos nos meus braços ou ombros.

A Kaputa, também não passava despercebida, porque vivia ali, a conhecida velha Xica Doutor, uma avó, que era assim tratada, por causa de filhos mulatos já crescidos, uns senhores, que eram todos “doutores”.

Com efeito, um deles tinha sido na época, Secretário Provincial de Economia em Angola. Ainda, com um paradoxo igualmente curioso, a mesma velha Xica Doutor, tinha outro filho, doutor como o primeiro, que no entanto encontrava-se nas matas e fazia parte dos terroristas!

 

14.12.2011

Lembranças e historias Gabelenses.

De vez em quando a nossa mente, vira caranguejo! Anda para traz!... Porém, ao contrario do efeito que nos causa quando pensamos no movimento do caranguejo. As excursões da mente para os tempos que ficaram atrás, se tornam tão agradáveis, que fica a vontade de que, "a maquina do tempo", tenha mesmo que existir!...

A recordação buscou o "Cruzeiro". Quem não se lembra?!...

O Cruzeiro, era a réplica do “Cristo-Rei” da Gabela, contendo apenas a cruz!

Não havia turista vindo de perto ou de longe que não fosse até lá. Era um dos pontos mais altos com acesso fácil, já que havia uma estrada, donde se podia observar toda a cidade.

Um pequeno castelo, aberto em baixo, com o cimo todo em ameias, para onde se subia através dumas escadas de ferro, nada simples de se utilizar. No cimo, bem ao centro havia uma torre pequenina, feita também em estilo dum castelo, com ameias, uma entrada sem porta e aberturas como janelas com o feitio de quinas.

Do lado oposto, separado por um espaço coberto por trepadeiras, com longos bancos ligados ao muro que limitava a mata que se estendia por toda a encosta da larga montanha, onde as pessoas se podiam sentar, havia soerguido num plano mais alto em cerca de um metro, mais ou menos, acedido por escadas com vários degraus, um largo circular com uma grande cruz no meio. Era dela, que vinha a marca do Cruzeiro.

Do Cruzeiro, via-se toda a cidade: do lado do castelo e melhor ainda em cima dele, podia-se observar o Catete, que estava logo ali a seguir, a enorme montanha de pedra que parecia um Vesúvio, sem vulcão, toda a parte onde se situava a piscina, o Jardim-escola, o palácio do administrador, toda aquela parte baixa alternada de casas e extensões de cafeeiros e ver-se a estrada que servia de saída da cidade e levava a destinos vários como a CADA e que simultaneamente subia para as zonas onde se situava o edifício da sede do ARA, da Câmara Municipal, a Igreja Santa Isabel, o Hospital, o bairro Kijimbulo e a estrada não asfaltada donde terminava a cidade e levava à Quilenda, uma vila situada a cerca de 25 quilómetros.

Estando no largo da cruz, podia-se observar a zona onde se situava o edifício do tribunal, o Colégio Infante Sagres e a Kaputa já ali a seguir; a zona onde se encontrava o quartel militar, com os subúrbios – Kateko, Sétima e outras – a estrada que levava à Quibala e atravessava o bairro Sousa, a zona da Aricanga com o seu campo de futebol.

Era no Cruzeiro, que estavam os dois grandes tanques de água que abasteciam a cidade.

Mesmo de noite era possível ver-se o Cruzeiro de qualquer ponto da cidade, porque a cruz ficava iluminada.

Era o lugar favorito para os pic-nic’s do fim-de-ano escolar. Depois de riscadas e escritas as batas das meninas e as camisas dos rapazes, lá se ia, carregados de embalagens de pastéis de natas, bolas de berlim, pastéis, rissóis, sacos de gasosas, algum gira-discos, daqueles que se levava como uma maleta pequenina e o Cruzeiro, brilhava com festinhas e pic-nic’s nos cantos todos que possuía, de manhã e de tarde no último dia de aulas!

Eu e muitos dos meus amigos que moravam no Catete, éramos os turistas mais assíduos do Cruzeiro! Sábados, Domingos ou dias de semana, principalmente no tempo das férias lá íamos nós explorar tudo o que o Cruzeiro, pudesse oferecer:

- Renovávamos os nomes e os corações desenhados nas paredes do castelo e pilares dos alpendres, como mandava a praxe turística (era hábito os jovens que fossem ao Cruzeiro, gravarem os nomes com as datas) descíamos e subíamos o castelo ou trepávamos para cima das ameias da torre, para nos sentarmos em cima e observar mouros imaginários a subir a encosta da montanha para nos atacar.

Quando já fartos de tudo isto, saltávamos o muro e enfiávamo-nos nas matas que circundavam o Cruzeiro. Como uns Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo, embrenhávamos por entre arbustos espinhosos que se prendiam na roupa e descobríamos goiabeiras cheias de goiabas amareladas e grandes. Saltava-se para os ramos, sacudia-se as árvores, alguém subia para melhor fazê-las cair; metia-se nas calças, tirava-se as camisas para transformar-se em sacos e só parávamos, quando a quantidade era de muitos quilos. Nessa altura voltávamos para o castelo, para arrumarmos bem o prémio da expedição, só então reparando nos muitos riscos de sangue nos braços e nas pernas, provocados pelos espinhos dos arbustos.

Acontecera, que numa dessas expedições anti-monotonia, pisara por cima de uma grossa fila de kissondes, (umas formigas grandes, de cor castanho-avermelhado com uma espécie de mini-tentáculos na área da boca). Algumas batidelas fortes com os pés no chão e tudo parecia sacudido. No entanto, já muitos metros largos adiante, sentia duas estranhas alfinetadas nas costas. Quando punha a mão para retirar a formiga, senti ao mesmo tempo outra formiga me subia na perna. Entrei em pânico e em poucos segundos atirei as roupas para o chão e fiquei apenas com as cuecas. Estavam apenas três kissondes agarradinhos à pele! O susto tinha-se juntado às histórias dos kissondes que atacavam grandes animais, acabando por matá-los, depois de enfiarem-se nos olhos e nos ouvidos.