Estátua de sal

Estátua de sal

08.05.2012 

Transformar-se em estátua de sal. Alguém quer?

A vida é feita de encontros e desencontros, era com esta frase que nos entrava por casa a dentro, o nosso saudoso Henrique Mendes.

Vidas desfeitas, feitas, refeitas e novamente desfeitas, vemos todos os dias desfilar no nosso círculo de conhecimentos.

Palavras ditas com saudade, com nostalgia, com familiaridade, frases que só nós conhecemos o sentido, fazem-nos recuar quarenta anos, onde a nossa mente se mantém, por muito que queiramos (alguns fazem esse esforço) apagar da nossa memória esse passado em que estávamos ancorados, enraizados na nossa terra.

A nossa Terra Mãe.

Para alguns, adoptiva, para outros de sangue.

A política de cá fez com que lá se desfizessem vidas que pareciam feitas ou contratualizadas para um futuro sem fim.

Uns como outros fomos arrancados do chão onde criamos raízes.

Uns como outros vagueamos por esse mundo fora à procura de terra que nos fosse fértil e onde pudéssemos pegar de estaca.

Para alguns essa foi a forma de reencontar, longe do berço, a Terra prometida.

A grande maioria de nós não conseguiu pegar de estaca e foram-se mantendo desenraizados, provisóriamente em vasos de substituição, à espera de uma oportunidade de (re) viver.

Despegados que fomos do lugar, das coisas, dos amigos, das relações sentimentais, encontramo-nos muitos de nós a espreitar oportunidades de resgate.

Vemos oportunidades em recuperar a juventude em tudo ou quase tudo que nos pareça fazer recuar no tempo, a um tempo em que adolescentes tínhamos os nossos sonhos ancorados num conjunto de relações, que agora, com o passar dos anos, revivemos.

Falamos a mesma língua, conhecemos os mesmos sabores, os mesmos cheiros, temos (tivemos) os mesmos horizontes a perder de vista para lá do horizonte.

Somos conhecidos, somos amigos ou temos conhecidos e amigos comuns.

Quantos de nós refizeram a vida sentimental, familiar, depois de fracassados casamentos que mais não eram de ocasião quando a mente estava lá longe…

Outros de nós apegam-se a pequenos nadas com a esperança de que esses nadas venham a ser tudo.

Damos tudo e volta tudo ao princípio.

Enganamo-nos, iludimo-nos, fracassamos mais uma vez.

É o retorno a uma vida errante em busca de um lugar onde possamos meter raízes, á espera de um porto de abrigo onde, ancorados, quereríamos olhar o horizonte de mãos dadas com quem, tendo as mesmas feridas e cicatrizes, nos entendamos até que a vida nos leve a vida que carregamos.

Apegados que estamos a lembranças, com gavetinhas carregadas de imagens, cheiros, costumes, lembranças, muito facilmente nos identificamos com quem nos traga uma lufada de ar fresco e areje o nosso sótão.

As redes sociais servem, também, para isso mesmo.

De repente… mais um conhecido ou conhecida, um amigo ou amiga nos fazem recuar no tempo, ao tempo dos bailaricos, ao tempo dos namoricos, ao tempo de uma vida despreocupada, ao tempo de um investimento num futuro para o qual tínhamos muito tempo.

Esta “proximidade” traz-nos oportunidades de reencontros, de novos namoricos, de novas possibilidades de reconciliação ou resgate com o passado interrompido.

Se de um lado estamos famintos dessa reconciliação, do outro não estamos menos e a proximidade de linguagem faz muitas vezes com que haja reconciliações que antes nos passariam despercebidas.

Em boa-fé fazem-se reconciliações, fazem-se ou refazem-se ligações amorosas, sentimentais, familiares com a promessa de que, desta vez, é para o resto da vida.

Quando se está de má-fé à espreita, de sucapa, na emboscada, é tão fácil levar à certa quem do outro lado está de facto de boa-fé.

É tão simples corresponder com o que se anseia ouvir do outro lado.

As mesmas frases, as mesmas músicas, os mesmos anseios… desta vez é que é.

Desta vez é que vai ser.

Por onde andaste? Que foi feito de ti? Onde estás? Ainda te lembras?

Tão simples responder com frases feitas que vão alimentando do outro lado a esperança de um reencontro, desta vez para sempre.

Vão-se fazendo juras de amor, vão-se tecendo planos de reencontro.

- Aqui? Aí?

- É melhor ser aí, até tenho de aí tratar de uns assuntos que tenho adiado, mas agora que sei onde estás, agora que sei que estás aí, vou apressar as coisas.

O reencontro é feito, sequiosos ambos por querer recuperar a juventude perdida ao lado de um outro alguém, inventam-se luas-de-mel, inventam-se formas de compromisso.

As férias chegam ao fim, é necessário retomar a vida e os afazeres profissionais e o amargo de boca começa.

A separação, mais uma vez a distãncia a separar dois entes que tanto dizem amar-se.

Amam ou foi uma forma de contemporizar, amenizar a viagem há tanto tempo adiada de um dos lados, não passando o namoro, a lua-de-mel de um embuste bem montado, apenas… porque de um dos lados apenas se viu e ouviu o que se quis ver e ouvir e do outro lado se jogou com os sentimentos de quem queria e tinha tanto para dar.

O namoro continua na NET, desta vez com coisas novas para recordar.

Aproxima-se rapidamente o novo ano e a oportunidade de novo reencontro, desta feita em retribuição acaba forçosamente por acontecer.

A rede lançada antes é agora recolhida sem o controlo de quem tudo prometia, dizia tudo querer, dizia tudo saber.

De um dos lados anseia-se a retribuição da visita, a retribuição de mais provas de amor.

Do outro, vai-se mantendo a relação em banho-maria na esperança que o calor se dissipe e que tudo possa voltar à normalidade.

Desengano.

Do lado onde a boa-fé existe, na expectativa de que desta vez é que é para sempre vai levedando um sentimento que não passaria de uma paixoneta de verão fácil de “deletar”, não existissem as tais lembranças de um passado longínquo que queremos à força ver presentes.

Do lado do oportunismo, as férias anteriores bem passadas não passaram de puro lucro, de puro aproveitamento numa emboscada planeada.

Dá-se o reencontro e a verdade é como o azeite. Vem à tona o embuste pois, do outro lado há uma vida organizada onde a aventura vivenciada não tem lugar nem pode ter continuidade.

Mil desculpas para o facto de (já) nada poder ter lugar na continuidade de uma existência comum antes anunciada.

Entendemos? Sim. Entendemos perfeitamente que estas situações podem existir se reflectirmos, se analizarmos friamente e fizermos o paralelo com outros exemplos da vida, da história, de nós mesmos.

Nunca mais somos os mesmos.

Não somos seres imutáveis.

- Nós somos os mesmos que éramos há quarenta anos antes? Seguramente, não! Evoluímos, e, em todos os sentidos, deixamos de ser o que éramos.

- Todos nós. Puro engano pensarmos ou mantermos a ideia de que eu, este ou aquele se mantém tal qual o ou a conhecemos na adolescência, por muito convívio ou proximidade que possamos ter tido.

Um exemplo prático e sem nos metermos nos sérios estudos de Charles Darwin é verificarmos a forma como se fala português por esse mundo fora, tão diferente do berço do idioma.

Hábitos e costumes modificados numa evolução constante ao ponto de sermos cada vez mais diferentes do ponto de origem.

Porque teríamos nós, os que vieram das ex-provÍncias ultramarinas, sermos diferentes do que a natureza nos exige ser? Seres evolutivos?

Vamo-nos moldando sem nos apercebermos, ao que nos rodeia, às pessoas com quem convivemos ou repartimos a vida, à profissão exercida e colegas de trabalho, ao meio onde estamos inseridos.

Vamos criando ou desenvolvendo, mantendo-se ou não a personalidade base, novas formas de ser e de estar na vida, novos sentimentos, novas reações.

Animais que somos, uns mais predadores do que outros, aproveitamos as situações que se nos oferecem para mostrarmos a nós mesmos que “ainda” lá vamos, haja pastilhinhas azuis ou rosa para as férias.

Depois…

Estas histórias acabam quase sempre com um amargo de boca, com amizades desfeitas, com desejos de vingança.

Finalmente chega-se facilmente à conclusão de que o passado ficou no passado.

Olhar para trás é mesmo a última coisa a fazer-se e nestes casos o exemplo Bíblico é mesmo de seguir.

Olhar para trás é correr o risco de sermos transformados em estátua de sal.

Alguém quer?

Seguramente não, se atendermos a que para se avançar é mesmo necessário que se olhe em frente.